sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Um poema por semana (35)

Rio
As águas vêm de longe,
trazem o mundo, os montes
a terra as pedras os bichos e o pólen
as folhas e a luz
a chuva
o granizo
e a sede dos homens
o rumor das noites e dos dias.
Rio vivo,
quase mudo,
cheio de água
cheio de terra
cheio de tudo.
 
João Pedro Mésseder, Versos com reversos
 
 
 

Bem parecidos, os rapazes...


sábado, 13 de agosto de 2016

Um poema por semana (33)

e às vezes as mãos doíam-nos  mas amávamos
o que construíamos  e dávamo-lo ao devir
mas há-de haver um tempoum tempo feito com as nossas mãos
em que um horizonte sem limites
penetrará pelas janelas adentro
dará uma nova cor aos nossos olhos 
fará nossos gestos mais lentos
mais cheios de música.
dias


dávamo-nos  o mundo era inteiro  era
o nosso rosto que víamos
e desenhávamos o caminho livre dos filhos

laranja amaciada pela ternura dos dedos
mesa medida pela fome que sentíamos
tudo era à medida humana
até a noite era um berço
que construíamos
como um ninho

e o tempo era limpo  alvoroçado
cantava  era sempre Abril
e Maio era grávido

era um país com olhos de menino
 
 
 
 
Setembro 03 2015
e às vezes as mãos doíam-nos  mas amávamos
o que construíamos  e dávamo-lo ao devir
dos dias

dávamo-nos  o mundo era inteiro  era
o nosso rosto que víamos
e desenhávamos o caminho livre dos filhos

laranja amaciada pela ternura dos dedos
mesa medida pela fome que sentíamos
tudo era à medida humana
até a noite era um berço
que construíamos
como um ninho

e o tempo era limpo  alvoroçado
cantava  era sempre Abril
e Maio era grávido

era um país com olhos de menino

Em Homem da Fábrica (Editorial Utopia)os dias


dávamo-nos  o mundo era inteiro  era
o nosso rosto que víamos
e desenhávamos o caminho livre dos filhos

laranja amaciada pela ternura dos dedos
mesa medida pela fome que sentíamos
tudo era à medida humana
até a noite era um berço
que construíamos
como um ninho

e o tempo era limpo  alvoroçado
cantava  era sempre Abril
e Maio era grávido

era um país com olhos de menino

Em Homem da Fábrica (Editorial Utopia)

Fica como documento

Perfil: Manuel Soares, a voz dos utentes da saúde no Médio Tejo

Manuel Soares lidera a Comissão de Utentes do Centro Hospitalar do Médio Tejo (Foto: mediotejo.net
Isto não é um sindicato! É uma Comissão de Utentes. A diferença? Manuel Soares, 62 anos, está no terreno para ouvir o coletivo, contra bairrismos e desperdício de capacidades. Na área da saúde tem desenvolvido, nos últimos 13 anos, uma intensa atividade pela manutenção e qualidade dos serviços no Centro Hospitalar do Médio Tejo e centros/extensões de saúde de Torres Novas. “Durante anos foram cometidos crimes na gestão dos recursos humanos” dos Hospitais, frisa. “Hoje estão a sentir-se as consequências.” Colecionador de pacotes de açúcar (tem mais de 22 mil), Manuel Soares reconhece que é a “ovelha negra” das comissões de utentes. Mas defende com unhas e dentes a sua causa. 
A entrevista está marcada para a Casa Sindical de Torres Novas. Quando chegamos, Manuel José Soares está ao telemóvel. Durante as cerca de duas horas que dura a conversa, este tocará várias vezes. A informação está sempre a circular. Os alertas chegam por mensagem, numa rede com várias dezenas de colaboradores que vão fazendo chegar problemas e situações dos serviços públicos de vários pontos do Médio Tejo e Distrito de Santarém. A área da Saúde é considerada a mais importante. Mas Manuel Soares está envolvido em várias causas e não apenas a da Comissão de Utentes de Saúde do Médio Tejo (CUSMT).
Nasceu na Vermelha, concelho do Cadaval, distrito de Lisboa. Por mote próprio ingressou no seminário, onde estudou cinco anos. Daí seguiria para o liceu em Torres Vedras, onde se cruzou com a apresentadora e jornalista Manuela Moura Guedes. “Era uma líder”, recorda, uma jovem que arrastava os colegas com ela e que quase lhe arranjou uma namorada, confidencia. O pai desta seria seu professor de Matemática, disciplina que lhe traria muitas dores de cabeça no futuro.
Ainda ingressou em Economia, no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), mas não chegaria a terminar o curso. Com 18 anos começou a trabalhar na instituição que viria a chamar-se INATEL, onde permaneceu uma década. Foi aí que iniciou a sua luta social, através da comissão de trabalhadores, ativismo que lhe traria satisfação mas também vários dissabores. “Acabei por me prejudicar em prol de compromissos que tinha assumido”, confessa. Mudaria de emprego, indo trabalhar para uma empresa familiar durante outros 10 anos. Desde então tem-se dedicado à área comercial e trabalha atualmente no ramo das telecomunicações, refere, sem contudo especificar.
Ao longo deste período casou, divorciou-se, voltou a casar e enviuvou. Tem dois filhos, um dos quais pai dos seus quatro netos. Foi a segunda mulher, Bia, que menciona por diversas vezes ao longo da entrevista, quem o introduziu no universo das comissões de utentes dos serviços de saúde, à qual pertencia. A esposa viria a morrer de cancro.
Entrevista decorre na Casa Sindical de Torres Novas, Manuel Soares é um ativista da justiça social, sobretudo no acesso aos serviços de saúde. FOTO: mediotejo.net
A entrevista decorreu na Casa Sindical de Torres Novas. Manuel Soares é um ativista da justiça social, sobretudo no acesso aos serviços de saúde. Foto: mediotejo.net
“Fui sempre a ovelha negra do movimento de utentes a nível nacional, mas a vida tem-me dado razão”, admite. Defende que as Comissões de Utentes dependem sobretudo da organização e persistência! Pertenceu à Comissão de Utentes da Ponte 25 de abril e à Comissão de Utentes da Margem Sul, onde residiu. O ativismo valeu-lhe muitas inimizades. “Há muita coisa que correu mal, mas sempre procurei a comunicação e o trabalho coletivo”, defende. “Só se conseguem resultados com trabalho” e uma Comissão de Utentes só tem voz se trouxer atrás de si as pessoas”.
Meio por acaso, confessa, foi parar a Torres Novas. No concelho reencontrou alguns dos professores que mais o haviam marcado no Seminário, como o Padre Diamantino, instalado em Brogueira, que iniciara a sua consciencialização para as questões políticas e sociais.
Chegado ao Médio Tejo, criam-se as condições para o nascimento da CUSMT, cuja primeira reunião decorreu a 21 de março de 2003. “Já havia algum movimento, com muito boas intenções”, recorda, “houve quem dissesse que estávamos a sonhar, mas conseguimos arrastar muita gente”. Da luta pelos médicos de família nas extensões de saúde ao recente caso do encerramento do Serviço de Cardiologia em Torres Novas, não esquecendo a pediatria, a maternidade, a cirúrgica ou as infeções hospitalares, o CUSMT tem feito denúncia de tudo o que possa afetar a vida dos utentes, propondo soluções e exigindo alternativas ao encerramento de valências.
As reuniões da CUSMT são abertas à população e há uma “comunicação permanente”, através de uma rede de mensagens que envolve mais de 70 pessoas. “Procuramos ir aos problemas concretos”, defende, “nós fazemos opinião! Abrimos caminho”. Mas “somos perfeitamente amadores”, reconhece. “Nós não somos sindicato, somos uma organização que combate o bairrismo e o desperdício de instalações”. “O que nos ouvem dizer é: nós fazemos política. No âmbito dos serviços públicos, no alerta, na denúncia”, etc.
Ao longo dos anos a CUSMT foi ganhando dimensão e contactos e tem hoje um papel importante no serviço de saúde público regional, defende Manuel Soares. “Sempre alertámos que se estava a caminhar para um buraco, que é necessário um plano estratégico”, refere. Em vez disso, “é cada um para seu lado”. “São muitas vezes os erros dos Ministérios que afectam as populações que nos levam a agir”, salienta, não poupando os municípios de Tomar, Torres Novas e Abrantes, onde estão os três hospitais do Médio Tejo, que muitas vezes olham apenas para “o seu cantinho”. “A Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo devia ter um plano para o conjunto do Médio Tejo”, defende.
É contra as concentrações de serviços, “que só servem para poupar dinheiro” e não para melhorar os cuidados de saúde; é a favor do novo despacho que permite que a consulta de especialidade seja marcada consoante a proximidade do utente de um certo Hospital, mesmo que não seja o de referência. Admitindo que possa tornar-se uma “situação enviesada”, “não temos dúvidas que a unidade de Torres Novas fica a ganhar com esta situação”.
Defende que as unidades de saúde têm que estar articuladas, nomeadamente a saúde pública, cuidados primários de saúde, cuidados continuados e cuidados hospitalares. Nos cuidados hospitalares, “não somos sonhadores que defendamos que se possa ter tudo, mas há quatro áreas que têm que estar nos três hospitais”, explica, enunciando a medicina interna, as urgências, a cirurgia e a pediatria.
Mas afinal, indagamos, o que se passa com o Centro Hospitalar do Médio Tejo? Abre serviço, encerra serviço, desdobra-se serviço. Qual o problema?
“Durante anos foram cometidos crimes na gestão de recursos humanos”, considera Manuel Soares, o que tem vindo a criar uma série de problemas no atendimento médico. “Há aqui questões de base que têm que ser resolvidas”, afirma, sugerindo a criação de “regras claras sobre quem pode exercer no público, no privado ou nos dois” setores. Discutimos salários, exigências da Ordem dos Médicos, falta de vagas. Manuel Soares comenta: “Mesmo na medicina privada há médicos que são autênticos proletários.”
Apesar de todo o discurso, é um optimista. “As coisas estão a melhorar”, defende por fim, com os Hospitais a reconheceram algumas das sugestões da CUSMT e a procurarem-se alternativas, realizando-se o diálogo construtivo que se pretendia. Em agosto a CUSMT fará duas ações concretas de recolha de informação sobre os serviços públicos: uma dia 6 em Torres Novas (eventualmente Alcanena) e outra a 13, em Abrantes. “O que verificamos é que as pessoas querem falar, expôr os seus casos”, refere, sublinhando que é nesta abertura à população que está a chave do sucesso da estrutura. “As pessoas só são atraídas por algo que está vivo”, frisa.
Muitos querem participar e desistem. Outros vão enviando informação, pedem desculpa por não puderem participar mais vezes. Manuel Soares sabe que esta vida não é fácil. “É preciso gostar, é preciso ter prazer, disponibilidade e capacidade. Por vezes falta algum destes vetores.”
Por tal vai continuando, é a sua luta. Vai ouvindo, vai anotando, vai fazendo os possíveis por cumprir. Gerir pessoas, queixas, frustrações, nem sempre se revela fácil. Mas se fosse fácil não valeria a pena lutar…

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Um poema por semana (32)

Pior que não Cantar

Pior que não cantar
é cantar sem saber o que se canta

Pior que não gritar
é gritar só porque um grito algures se levanta

Pior que não andar
é ir andando atrás de alguém que manda

Sem amor e sem raiva as bandeiras são pano
que só vento electriza
em ruidosa confusão
de engano

A Revolução
não se burocratiza

Mário Dionísio, in 'Terceira Idade'

5 de Agosto, gostaria de estar no alto da "minha" serra