sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Um poema por semana (51)

Não te quero senão porque te quero

Não te quero senão porque te quero
E de querer-te a não querer-te chego
E de esperar-te quando não te espero
Passa meu coração do frio ao fogo.
Te quero só porque a ti te quero,
Te odeio sem fim, e odiando-te rogo,
E a medida de meu amor viageiro
É não ver-te e amar-te como um cego.
Talvez consumirá a luz de janeiro
Seu raio cruel, meu coração inteiro,
Roubando-me a chave do sossego.
Nesta história só eu morro
E morrerei de amor porque te quero,
Porque te quero, amor, a sangue e a fogo.

Pablo Neruda

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Gageiro (5)


domingo, 11 de dezembro de 2016

Um poema por semana (50)

BASTASTE TU
Bastou aquele gesto
Da tua mão tocar tão docemente a minha
Pra nascerem raízes...

Que me prendem à terra e me alimentam
Nas horas mais vazias

Bastou aquele olhar
- O teu olhar tão brando, prolongando-se um pouco sobre o meu –
Para iluminar as noites em que a lua se esconde
E a escuridão envolve um mundo sem sentido.

Bastou esse teu jeito de sorrir,
Um sorriso em que vejo despontar a confiança
Na vida não vivida, nas emoções ainda não sentidas,
Nos passos que ressoam noutros passos

Bastaste tu.

Maria Eugénia Cunhal

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Arquictetura rural

FURDA (Idanha-a-Nova)
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CHAFURDÃO (Castelo Vide)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Um poema por semana (49)

Vaidade, Tudo Vaidade!

Vaidade, Tudo Vaidade!Vaidade, meu amor, tudo vaidade!
Ouve: quando eu, um dia, for alguém,
Tuas amigas ter-te-ão amizade,
(Se isso é amizade) mais do que, hoje, têm.

Vaidade é o luxo, a gloria, a caridade,
Tudo vaidade! E, se pensares bem,
Verás, perdoa-me esta crueldade,
Que é uma vaidade o amor de tua mãe...

Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna
E eu vi-me só no mar com minha escuna,
E ninguém me valeu na tempestade!

Hoje, já voltam com seu ar composto,
Mas eu, vê lá! eu volto-lhes o rosto...
E isto em mim não será uma vaidade?


(António Nobre)

Gageiro (4)


O Jolie, em pose de modelo!!!!


domingo, 27 de novembro de 2016

Um poema por semana (48)

AS VEZES

Às vezes eu queria ser extravagante
  para dizer eu te amo loucamente.
  Às vezes eu queria ser bobo
  a gritar: Eu amo-te tanto!

Às vezes eu queria ser uma criança
  para lamentar enrolado em teu ventre.

Às vezes eu queria estar morto
  sentir,
  sob a terra molhada dos meus sucos,
  ver crescer uma flor
  quebrar o meu peito,
  uma flor e dizer:
  Esta flor para ti.


(Nicolás Guillén, em Havana)




 

Não são precisas mais palavras!


sábado, 19 de novembro de 2016

Um poema por semana (47)

 O CHORO DE ÁFRICA
 
O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África
 
Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África
 
e mesmo na morte do sangue ao contato com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens
 
o choro de séculos
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas
 
o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida
 
fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar
na violência
na violência
na violência
 
O choro de África e' um sintoma
 
Nos temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.
 
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Gageiro (3)


Todos os dias pela manhã, à boleia do neto António


quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Gageiro (2)


Um poema por semana (46)

Travessia da infância

Quietos fazemos as grandes viagens
só a alma convive com as paragens
estranhas

lembro-me de uma janela
na Travessa da Infância
onde seguindo o rumor dos autocarros
olhei pela primeira vez
o mundo

não sei se poderás adivinhar
a secreta glória que senti
por esses dias

só mais tarde descobri que
o último apeadeiro de todos
os autocarros
era ainda antes
do mundo

mas isso foi depois
muito depois
repito



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Acham-se os maiores... mas são TIGRES DE PAPEL


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Um poema por semana (42)

Tive uma amiga que ambicionava escrever
poemas de silêncio


trabalhou muito até que conseguiu
organizar numa mesa de vidro transparente
doze folhas brancas de papel em branco
com uma jóia em cima de cada uma
para cada amigo receber
o seu poema de silêncio
quando fosse encontrada no robe branco
da morte branca que nos oferecia


cheguei a tempo de salvá-la
fizeram-lhe a lavagem ao estômago
não me perdoou a alma mal lavada
nunca mais nos vimos
viaja agora de país em país
sem jóias sem poemas sem amigos
e telefona-me às vezes depois da meia-noite
quando o silêncio raspa o vidro da janela


[in Poemas Novos e Velhos, Presença, 2011]
HELDER MACEDO

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Tenho dúvidas!


sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Um poema por semana (41)

A NÊSPERA

Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
 
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
 
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece
 
Mário-Henrique Leiria
in Novos Contos do Gin

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Muito estilo, tem o atleta!!!!


sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Um poema por semana (40)

A Casada Infiel

Levei-a comigo ao rio,
pensando que era donzela,
porém já tinha marido.
Foi na noite de Santiago
e quase por compromisso.
Os lampiões se apagaram
e acenderam-se os grilos.
Nas derradeiras esquinas
toquei seus peitos dormidos
e pra mim logo se abriram
como ramos de jacintos.
A goma de sua anágua
soava no meu ouvido,
como uma peça de seda
lacerada por dez facas.
Sem luz de prata nas copas
as árvores têm crescido,
e um horizonte de cães
ladra mui longe do rio.

*

Passadas as sarçamoras
os juncos e os espinheiros,
por debaixo da folhagem
fiz um fojo sobre o limo.
Minha gravata tirei.
Tirou ela seu vestido.
Eu, o cinto com revólver.
Ela, seus quatro corpetes.
Nem nardos nem caracóis
têm uma cútis tão fina,
nem os cristais ao luar
resplandecem com tal brilho.
Suas coxas me fugiam
como peixes surpreendidos,
metade cheia de lume,
metade cheia de frio.
Percorri naquela noite
o mais belo dos caminhos,
montado em potra de nácar
sem bridas e sem estribos.
Dizer não quero, homem sendo,
as coisas que ela me disse.
A luz do entendimento
me faz ser mui comedido.
Suja de beijos e areia,
trouxe-a comigo do rio.
A aragem travava luta
com as espadas dos lírios.
Portei-me como quem sou.
Como um gitano legítimo.
Uma cesta de costura
dei-lhe de raso palhiço
e não quis enamorar-me
porque tendo ela marido
me disse que era donzela
quando a levava eu ao rio.

Federico García Lorca, in 'Romanceiro Gitano'  
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Estou mesmo fodido!

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domingo, 25 de setembro de 2016

Um poema por semana (39)

A mãe natureza pede ajuda
 
São poucos os que escutam seu pedido de socorro
A mãe natureza chora
Ela chora sem parar, chora porque está morrendo
Chora porque estamos a matar
Estamos a matar cada fruto que ela da
Estamos a faze-la chorar
E por isso ela esta , ela esta sempre a chorar
Oque você ira fazer ?
Ira sentar, esperar até tudo se acabar?
 Esse poema foi feito para pensar
Não para descartar
Foi feito para acordar os que dormem
Foi feito para alertar
Foi feito para refletir
Foi feito para agir  
 
Ana Luisa Ribeiro 
Idade : 12 Anos

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Está lido. Agora vamos ao debate!


sábado, 17 de setembro de 2016

Um poema por semana (38)

Como Queiras, Amor...

Como queiras, Amor, como tu queiras.
Entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo.
A tudo quanto espero e quanto temo,
entregue a ti, Amor, eu me dedico.

Nada há que eu não conheça, que eu não saiba,
e nada, não, ainda há por que eu não espere
como de quem ser vida é ter destino.

As pequeninas coisas da maldade, a fria
tão tenebrosa divisão do medo
em que os homens se mordem com rosnidos
de malcontente crueldade imunda,
eu sei quanto me aguarda, me deseja,
e sei até quanto ela a mim me atrai.

Como queiras, Amor, como tu queiras.
De frágil que és, não poderás salvar-me.
Tua nobreza, essa ternura tépida
quais olhos marejados, carne entreaberta,
será só escárneo, ou, pior, um vão sorriso
em lábios que se fecham como olhares de raiva.
Não poderás salvar-me, nem salvar-te.
Apenas como queiras ficaremos vivos.

Será mais duro que morrer, talvez.
Entregue a ti, porém, eu me dedico
àquele amor por qual fui homem, posse
e uma tão extrema sujeição de tudo.

Como tu queiras, meu Amor, como tu queiras.


Jorge de Sena, in 'Post-Scriptum'
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Tantos amigos!


sábado, 10 de setembro de 2016

Um poema por semana (37)

Como eu não possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse --- ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim --- ó ânsia! --- eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.


              Mário de Sá-Carneiro


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Três instantes da Festa




sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Um poema por semana (36)

Não te rendas
 
Não te rendas, ainda estás a tempo
de alcançar e começar de novo,
aceitar as tuas sombras
enterrar os teus medos,
largar o lastro,
retomar o voo.

Não te rendas que a vida é isso,
continuar a viagem,
perseguir os teus sonhos,
destravar os tempos,
arrumar os escombros,
e destapar o céu.

Não te rendas, por favor, não cedas,
ainda que o frio queime,
ainda que o medo morda,
ainda que o sol se esconda,
e se cale o vento:
ainda há fogo na tua alma
ainda existe vida nos teus sonhos.

Porque a vida é tua, e teu é também o desejo,
porque o quiseste e eu te amo,
porque existe o vinho e o amor,
porque não existem feridas que o tempo não cure.

Abrir as portas,
tirar os ferrolhos,
abandonar as muralhas que te protegeram,
viver a vida e aceitar o desafio,
recuperar o riso,
ensaiar um canto,
baixar a guarda e estender as mãos,
abrir as asas
e tentar de novo
celebrar a vida e relançar-se no infinito.

Não te rendas, por favor, não cedas:
mesmo que o frio queime,
mesmo que o medo morda,
mesmo que o sol se ponha e se cale o vento,
ainda há fogo na tua alma,
ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque cada dia é um novo início,
porque esta é a hora e o melhor momento.
Porque não estás só, por eu te amo.
 
Autor: Mário Benedetti (1920-2009)

 

Gosto deste boneco


sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Um poema por semana (35)

Rio
As águas vêm de longe,
trazem o mundo, os montes
a terra as pedras os bichos e o pólen
as folhas e a luz
a chuva
o granizo
e a sede dos homens
o rumor das noites e dos dias.
Rio vivo,
quase mudo,
cheio de água
cheio de terra
cheio de tudo.
 
João Pedro Mésseder, Versos com reversos
 
 
 

Bem parecidos, os rapazes...


sábado, 13 de agosto de 2016

Um poema por semana (33)

e às vezes as mãos doíam-nos  mas amávamos
o que construíamos  e dávamo-lo ao devir
mas há-de haver um tempoum tempo feito com as nossas mãos
em que um horizonte sem limites
penetrará pelas janelas adentro
dará uma nova cor aos nossos olhos 
fará nossos gestos mais lentos
mais cheios de música.
dias


dávamo-nos  o mundo era inteiro  era
o nosso rosto que víamos
e desenhávamos o caminho livre dos filhos

laranja amaciada pela ternura dos dedos
mesa medida pela fome que sentíamos
tudo era à medida humana
até a noite era um berço
que construíamos
como um ninho

e o tempo era limpo  alvoroçado
cantava  era sempre Abril
e Maio era grávido

era um país com olhos de menino
 
 
 
 
Setembro 03 2015
e às vezes as mãos doíam-nos  mas amávamos
o que construíamos  e dávamo-lo ao devir
dos dias

dávamo-nos  o mundo era inteiro  era
o nosso rosto que víamos
e desenhávamos o caminho livre dos filhos

laranja amaciada pela ternura dos dedos
mesa medida pela fome que sentíamos
tudo era à medida humana
até a noite era um berço
que construíamos
como um ninho

e o tempo era limpo  alvoroçado
cantava  era sempre Abril
e Maio era grávido

era um país com olhos de menino

Em Homem da Fábrica (Editorial Utopia)os dias


dávamo-nos  o mundo era inteiro  era
o nosso rosto que víamos
e desenhávamos o caminho livre dos filhos

laranja amaciada pela ternura dos dedos
mesa medida pela fome que sentíamos
tudo era à medida humana
até a noite era um berço
que construíamos
como um ninho

e o tempo era limpo  alvoroçado
cantava  era sempre Abril
e Maio era grávido

era um país com olhos de menino

Em Homem da Fábrica (Editorial Utopia)

Fica como documento

Perfil: Manuel Soares, a voz dos utentes da saúde no Médio Tejo

Manuel Soares lidera a Comissão de Utentes do Centro Hospitalar do Médio Tejo (Foto: mediotejo.net
Isto não é um sindicato! É uma Comissão de Utentes. A diferença? Manuel Soares, 62 anos, está no terreno para ouvir o coletivo, contra bairrismos e desperdício de capacidades. Na área da saúde tem desenvolvido, nos últimos 13 anos, uma intensa atividade pela manutenção e qualidade dos serviços no Centro Hospitalar do Médio Tejo e centros/extensões de saúde de Torres Novas. “Durante anos foram cometidos crimes na gestão dos recursos humanos” dos Hospitais, frisa. “Hoje estão a sentir-se as consequências.” Colecionador de pacotes de açúcar (tem mais de 22 mil), Manuel Soares reconhece que é a “ovelha negra” das comissões de utentes. Mas defende com unhas e dentes a sua causa. 
A entrevista está marcada para a Casa Sindical de Torres Novas. Quando chegamos, Manuel José Soares está ao telemóvel. Durante as cerca de duas horas que dura a conversa, este tocará várias vezes. A informação está sempre a circular. Os alertas chegam por mensagem, numa rede com várias dezenas de colaboradores que vão fazendo chegar problemas e situações dos serviços públicos de vários pontos do Médio Tejo e Distrito de Santarém. A área da Saúde é considerada a mais importante. Mas Manuel Soares está envolvido em várias causas e não apenas a da Comissão de Utentes de Saúde do Médio Tejo (CUSMT).
Nasceu na Vermelha, concelho do Cadaval, distrito de Lisboa. Por mote próprio ingressou no seminário, onde estudou cinco anos. Daí seguiria para o liceu em Torres Vedras, onde se cruzou com a apresentadora e jornalista Manuela Moura Guedes. “Era uma líder”, recorda, uma jovem que arrastava os colegas com ela e que quase lhe arranjou uma namorada, confidencia. O pai desta seria seu professor de Matemática, disciplina que lhe traria muitas dores de cabeça no futuro.
Ainda ingressou em Economia, no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), mas não chegaria a terminar o curso. Com 18 anos começou a trabalhar na instituição que viria a chamar-se INATEL, onde permaneceu uma década. Foi aí que iniciou a sua luta social, através da comissão de trabalhadores, ativismo que lhe traria satisfação mas também vários dissabores. “Acabei por me prejudicar em prol de compromissos que tinha assumido”, confessa. Mudaria de emprego, indo trabalhar para uma empresa familiar durante outros 10 anos. Desde então tem-se dedicado à área comercial e trabalha atualmente no ramo das telecomunicações, refere, sem contudo especificar.
Ao longo deste período casou, divorciou-se, voltou a casar e enviuvou. Tem dois filhos, um dos quais pai dos seus quatro netos. Foi a segunda mulher, Bia, que menciona por diversas vezes ao longo da entrevista, quem o introduziu no universo das comissões de utentes dos serviços de saúde, à qual pertencia. A esposa viria a morrer de cancro.
Entrevista decorre na Casa Sindical de Torres Novas, Manuel Soares é um ativista da justiça social, sobretudo no acesso aos serviços de saúde. FOTO: mediotejo.net
A entrevista decorreu na Casa Sindical de Torres Novas. Manuel Soares é um ativista da justiça social, sobretudo no acesso aos serviços de saúde. Foto: mediotejo.net
“Fui sempre a ovelha negra do movimento de utentes a nível nacional, mas a vida tem-me dado razão”, admite. Defende que as Comissões de Utentes dependem sobretudo da organização e persistência! Pertenceu à Comissão de Utentes da Ponte 25 de abril e à Comissão de Utentes da Margem Sul, onde residiu. O ativismo valeu-lhe muitas inimizades. “Há muita coisa que correu mal, mas sempre procurei a comunicação e o trabalho coletivo”, defende. “Só se conseguem resultados com trabalho” e uma Comissão de Utentes só tem voz se trouxer atrás de si as pessoas”.
Meio por acaso, confessa, foi parar a Torres Novas. No concelho reencontrou alguns dos professores que mais o haviam marcado no Seminário, como o Padre Diamantino, instalado em Brogueira, que iniciara a sua consciencialização para as questões políticas e sociais.
Chegado ao Médio Tejo, criam-se as condições para o nascimento da CUSMT, cuja primeira reunião decorreu a 21 de março de 2003. “Já havia algum movimento, com muito boas intenções”, recorda, “houve quem dissesse que estávamos a sonhar, mas conseguimos arrastar muita gente”. Da luta pelos médicos de família nas extensões de saúde ao recente caso do encerramento do Serviço de Cardiologia em Torres Novas, não esquecendo a pediatria, a maternidade, a cirúrgica ou as infeções hospitalares, o CUSMT tem feito denúncia de tudo o que possa afetar a vida dos utentes, propondo soluções e exigindo alternativas ao encerramento de valências.
As reuniões da CUSMT são abertas à população e há uma “comunicação permanente”, através de uma rede de mensagens que envolve mais de 70 pessoas. “Procuramos ir aos problemas concretos”, defende, “nós fazemos opinião! Abrimos caminho”. Mas “somos perfeitamente amadores”, reconhece. “Nós não somos sindicato, somos uma organização que combate o bairrismo e o desperdício de instalações”. “O que nos ouvem dizer é: nós fazemos política. No âmbito dos serviços públicos, no alerta, na denúncia”, etc.
Ao longo dos anos a CUSMT foi ganhando dimensão e contactos e tem hoje um papel importante no serviço de saúde público regional, defende Manuel Soares. “Sempre alertámos que se estava a caminhar para um buraco, que é necessário um plano estratégico”, refere. Em vez disso, “é cada um para seu lado”. “São muitas vezes os erros dos Ministérios que afectam as populações que nos levam a agir”, salienta, não poupando os municípios de Tomar, Torres Novas e Abrantes, onde estão os três hospitais do Médio Tejo, que muitas vezes olham apenas para “o seu cantinho”. “A Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo devia ter um plano para o conjunto do Médio Tejo”, defende.
É contra as concentrações de serviços, “que só servem para poupar dinheiro” e não para melhorar os cuidados de saúde; é a favor do novo despacho que permite que a consulta de especialidade seja marcada consoante a proximidade do utente de um certo Hospital, mesmo que não seja o de referência. Admitindo que possa tornar-se uma “situação enviesada”, “não temos dúvidas que a unidade de Torres Novas fica a ganhar com esta situação”.
Defende que as unidades de saúde têm que estar articuladas, nomeadamente a saúde pública, cuidados primários de saúde, cuidados continuados e cuidados hospitalares. Nos cuidados hospitalares, “não somos sonhadores que defendamos que se possa ter tudo, mas há quatro áreas que têm que estar nos três hospitais”, explica, enunciando a medicina interna, as urgências, a cirurgia e a pediatria.
Mas afinal, indagamos, o que se passa com o Centro Hospitalar do Médio Tejo? Abre serviço, encerra serviço, desdobra-se serviço. Qual o problema?
“Durante anos foram cometidos crimes na gestão de recursos humanos”, considera Manuel Soares, o que tem vindo a criar uma série de problemas no atendimento médico. “Há aqui questões de base que têm que ser resolvidas”, afirma, sugerindo a criação de “regras claras sobre quem pode exercer no público, no privado ou nos dois” setores. Discutimos salários, exigências da Ordem dos Médicos, falta de vagas. Manuel Soares comenta: “Mesmo na medicina privada há médicos que são autênticos proletários.”
Apesar de todo o discurso, é um optimista. “As coisas estão a melhorar”, defende por fim, com os Hospitais a reconheceram algumas das sugestões da CUSMT e a procurarem-se alternativas, realizando-se o diálogo construtivo que se pretendia. Em agosto a CUSMT fará duas ações concretas de recolha de informação sobre os serviços públicos: uma dia 6 em Torres Novas (eventualmente Alcanena) e outra a 13, em Abrantes. “O que verificamos é que as pessoas querem falar, expôr os seus casos”, refere, sublinhando que é nesta abertura à população que está a chave do sucesso da estrutura. “As pessoas só são atraídas por algo que está vivo”, frisa.
Muitos querem participar e desistem. Outros vão enviando informação, pedem desculpa por não puderem participar mais vezes. Manuel Soares sabe que esta vida não é fácil. “É preciso gostar, é preciso ter prazer, disponibilidade e capacidade. Por vezes falta algum destes vetores.”
Por tal vai continuando, é a sua luta. Vai ouvindo, vai anotando, vai fazendo os possíveis por cumprir. Gerir pessoas, queixas, frustrações, nem sempre se revela fácil. Mas se fosse fácil não valeria a pena lutar…

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Um poema por semana (32)

Pior que não Cantar

Pior que não cantar
é cantar sem saber o que se canta

Pior que não gritar
é gritar só porque um grito algures se levanta

Pior que não andar
é ir andando atrás de alguém que manda

Sem amor e sem raiva as bandeiras são pano
que só vento electriza
em ruidosa confusão
de engano

A Revolução
não se burocratiza

Mário Dionísio, in 'Terceira Idade'

5 de Agosto, gostaria de estar no alto da "minha" serra


sábado, 30 de julho de 2016

Um poema por semana (31)

Aviso à Navegação
 
Alto lá!
Aviso à navegação!
Eu não morri:
Estou aqui
na ilha sem nome,
sem latitude nem longitude,
perdida nos mapas,
perdida no mar Tenebroso!

Sim, eu,
o perigo para a navegação!
o dos saques e das abordagens,
o capitão da fragata
cem vezes torpedeada,
cem vezes afundada,
mas sempre ressuscitada!

Eu que aportei
com os porões inundados,
as torres desmoronadas,
os mastros e os lemes quebrados
- mas aportei!

Aviso à navegação:
Não espereis de mim a paz!

Que quanto mais me afundo
maior é a minha ânsia de salvar-me!
Que quanto mais um golpe me decepa
maior é a minha força de lutar!

Não espereis de mim a paz!

Que na guerra
só conheço dois destinos:
ou vencer – ai dos vencidos! –
ou morrer sob os escombros
da luta que alevantei!

- (Foi jeito que me ficou
não me sei desinteressar
do jogo que me jogar.)

Não espereis de mim a paz,
aviso à navegação!

Não espereis de mim a paz
que vos não sei perdoar!

Joaquim Namorado, in 'Antologia Poética'

Ainda ontem tive "direito" a uma cena destas


sexta-feira, 22 de julho de 2016