sexta-feira, 25 de março de 2016

Um poema por semana (13)

Poema Melancólico a não sei que Mulher

Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.

Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...

Miguel Torga, in 'Diário VII'
 

Fragas de S. Simão


sexta-feira, 18 de março de 2016

Um poema por semana (12)

O SANGUE DAS PALAVRAS

O poeta que nasce é uma criança

parida pela água torturada

uma nave que surge uma nuvem que dança

ao mesmo tempo livre e condensada.

O poeta que nasce é a matança

da palavra demente e enjeitada

que o chicote do poema torna mansa

depois de possuída e mal amada.

Quando o poeta nasce a madrugada

aperta os versos num abraço rouco

até que a noite fique esvaziada.

E enquanto das palavras pouco a pouco

surge a forma perfeita ou agitada

no mundo morre um deus ou nasce um louco.

(...)

Versos? Paguei-os. Alegria e raiva.

As palavras por vezes impotentes

outras vezes escorrendo sangue e seiva

ao morderem a vida com os dentes.

Poesia que és uns dias minha noiva

com seios de palavras complacentes.

Poesia que outras vezes grita e uiva

fêmea capaz de fecundar sementes.

Poesia minha amiga minha irmã

mulher da minha vida que inventei

para fazermos filhos amanhã.

Poesia minha força e meu castigo

meu incesto tão puro que nem sei

se é verdade que faço amor contigo.


Concentração/meditação?


terça-feira, 15 de março de 2016

Um poema por semana (11)


MENINO

 

No colo da mãe

 a criança vai e vem

 vem e vai

 balança.

 Nos olhos do pai

 nos olhos da mãe

 vem e vai

 vai e vem

 a esperança.

 

Ao sonhado

 futuro

 sorri a mãe

 sorri o pai.

 Maravilhado

 o rosto puro

 da criança

 vai e vem

 vem e vai

 balança.

 

De seio a seio

 a criança

 em seu vogar

 ao meio

 do colo-berço

 balança.

 

 

 

 

 

Balança

 como o rimar

 de um verso

 de esperança.

 

Depois quando

 com o tempo

 a criança

 vem crescendo

 vai a esperança

 minguando.

 E ao acabar-se de vez

 fica a exacta medida

 da vida

 de um português.

 

Criança

 portuguesa

 da esperança

 na vida

 faz certeza

 conseguida.

 Só nossa vontade

 alcança

 da esperança

 humana realidade.

 

Manuel da Fonseca, in “Poemas para Adriano”
 

Utopia


sexta-feira, 4 de março de 2016

Um poema por semana (10)


Os Teus Olhos

 

Direi verde

 do verde dos teus olhos

 

 de um rugoso mais verde

 e mais sedento

 

 Daquele não só íntimo

 ou só verde

 

 daquele mais macio    mais ave

 ou vento

 

 Direi vácuo

           volume

 direi vidro

 

 Direi dos olhos verdes

 os teus olhos

 e do verde dos teus olhos direi vício

 

 Voragem mais veloz

 mais verde

             ou vinco

 voragem mais crispada

 ou precipício

 

Maria Teresa Horta, in 'Candelabro'
 
 

No próximo domingo, 95 anos, muita história!