sábado, 14 de maio de 2011

Mobilidade total (um texto de reflexão)

(do blog "Cinco Dias")
Mobilidade total
13 de Maio de 2011 por Mariana Canotilho


Falou-se muito, por estes dias, em “mobilidade total”. Parece que no admirável mundo novo do neoliberalismo social democrata, “um professor de Setúbal pode ser convidado a trabalhar nas Finanças no Porto”. Eu desconfio que eles queriam mesmo dizer era que o professor de Setúbal pode ser “obrigado” a trabalhar nas Finanças do Porto. É que convidado ele já pode ser. E a esmagadora maioria das pessoas a quem se coloque essa hipótese recusará. Com razão.


Para quem tanto acusa a esquerda de utopias, é estranho fazer propostas políticas com base em pessoas que não existem. É que este trabalhador, disposto ou empurrado para a mobilidade total, é um homem só e sem freios. Um homem que não existe. Este trabalhador não tem família, não tem amigos, não tem filhos em idade escolar, não tem (nem quer ter) casa própria, não tem pais idosos de quem cuidar. Este trabalhador não tem um café onde gosta de ir ao fim de semana, não tem uma mercearia ao pé de casa onde sabem o seu nome, não pratica desporto no clube da sua terra, não tem actividade política ou associativa, não é membro activo de uma paróquia. Este trabalhador não é uma pessoa, com todas as pequenas e grandes coisas que fazem de nós pessoas. Não tem quotidiano, não tem família e não tem quaisquer laços comunitários. Ele é, só, uma máquina de trabalhar.


Não existe política mais inimiga da família e das comunidades que a da mobilidade. A direita, que tantas vezes berra por estes valores, devia lembrar-se disso. A esquerda também. A maior parte das pessoas não quer mobilidade nenhuma e tem razões válidas e atendíveis para isso. Nada está feito para a mobilidade. É impossível ser nómada e não ter problemas infernais com a inscrição dos miúdos numa escola pública (exige-se um “comprovativo de morada” com 4 meses de antecedência), com o exercício do direito de voto ou com a inscrição nos centros de saúde e médico de família, que agora é necessária para quase tudo. É impossível ser-se nómada e educar as crianças perto dos avós, ver crescer os filhos dos amigos, ver evoluir e consolidar-se a instituição em que trabalhamos ou a associação de que fazemos parte. Isto para ficar dentro de fronteiras, porque ir para fora é pior.


A mobilidade é uma treta. A sociedade em que tudo é móvel (menos os políticos, que raramente colocam um pezinho fora de Lisboa) será um pesadelo, com custos económicos e sociais de que ninguém fala (ou acham que as mudanças de casa, as repetidas cauções por novos arrendamentos e outras coisas mais, que só quem anda com a casa às costas sabe o que custam, saem do bolso de quem?).

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