Parece que sou traidor à Pátria. Prendam-me!
por PEDRO TADEU (DN)
Há uma espécie de decreto-lei informal que, ainda no tempo de Sócrates, na sequência das imposições da troika, passou a entrar em vigor. Esse decreto, editado e publicado por opinadores do regime, "especialistas" em economia, grandes empresários, gestores ao serviço destes, banqueiros, políticos do "centrão", iludidos do neoliberalismo, académicos conformados e burocratas dependentes da eurocracia, resume-se numa frase: "Protestar contra as medidas de austeridade é antipatriótico".
A teoria desenvolve-se no pressuposto de que não haveria outro caminho para "salvar Portugal" (sic) que não seja este que actualmente trilhamos. Pelo que, para bem da Pátria, qualquer manifestação, greve, marcha, abaixo-assinado ou simples comentário contra o que se está a passar é, na sua essência, um acto de traição.
Isto faz-me lembrar o meu tempo do ensino primário, quando a minha cabeça era encharcada pelo chavão "a Pátria não se discute", para justificar a guerra no Ultramar. Essa guerra, lia-se em todos os jornais, via-se na televisão e ensinava-se na escola, não só era inevitável como necessária. Além do mais, dizia-se, do ponto de vista económico, que Portugal não sobreviveria à perda das colónias. Quem protestava era declarado traidor à Pátria e ia preso.
Pois quando cheguei ao liceu, anos depois do 25 de Abril, já não havia Ultramar, a Pátria até estava de melhor saúde, prosperava, e os traidores da véspera eram os heróis da nova época. Como vêem, as certezas absolutas e indiscutíveis são todas muito relativas...
A acusação de "traição à Pátria" de hoje não está muito distante desses meus tempos de escola, no aspecto de dogmatizar positivamente e como necessária a capitulação da Pátria (ó ironia!) na actual guerra económica e financeira e ao tentar transformar em marginal quem discorda desse dogma. Agora ninguém é preso, mas ao tornar refrão político a frase "traidores à Pátria" para caluniar os que protestam está a dar-se o primeiro passo para que um dia seja possível meter na cadeia quem dá problemas ao regime... Olhem, se é assim, prendam-me já que eu também sou um traidor à Pátria.
Assinalo, no entanto, uma declaração de Pedro Passos Coelho, ao dirigir-se no Parlamento a Jerónimo de Sousa. Cito de memória, sem rigor, mas o sentido que apreendi da frase era este: "Poderei nunca estar de acordo com as propostas do PCP, mas nunca considerarei o seu partido como estando a agir contra os interesses da Pátria." Ainda bem que o primeiro-ministro percebeu que precisava de dizer isto. Pode ser que acalme estas hostes da intolerância.
Resposta ao doutor Francisco Louçã (II)
por PEDRO TADEU (DN)
"O que sabem sobre o povo trabalhador é zero." Este foi o nervo que agitou o músculo crítico do doutor Francisco Louçã a uma crónica minha. Expresso num desabafo no Facebook, valeu-lhe 247 cliques no botão "gosto" e 132 comentários de apoio, sem contraditório. Como não sou amigo de Facebook do líder do Bloco de Esquerda, não posso discutir o assunto no espaço em que ele o colocou. Resta-me, por me parecer interessante para os leitores, esboçar aqui o que julgo ser o sério problema político do Bloco, definível assim: medo ideológico.
Mais do que andar a discutir questões tácticas, o Bloco tem para resolver um problema, em parte comum ao do PCP: a incapacidade de demonstrar aos trabalhadores que tem um projecto de sociedade viável, diferente e melhor do que os do PS, PSD e CDS.
A esmagadora maioria dos trabalhadores ouve os dirigentes do Bloco de Esquerda ou do PCP e entende que o que eles têm de sério para aplicar num Governo será, na melhor das hipóteses, uma quimera. É isso que, mais uma vez, dizem os votos das legislativas. No entanto, esses partidos (mais o PCP do que o Bloco) têm, no dia-a--dia, o apoio de grandes massas de trabalhadores para, nos sindicatos, combaterem abusos patronais e, em certas autarquias, quase todas CDU, gerirem recursos públicos. Mas a maioria desses trabalhadores não confia nesta esquerda para a querer no Governo.
Será discutível, mas, para mim, apenas munido da experiência de jornalista a "ler" a evolução do quotidiano, parece-me que demasiados quadros políticos desta esquerda (menos no PCP, mais no Bloco) se "aburguesaram" no estrito sentido de agirem politicamente num circuito institucional fechado, dentro e fora dos partidos, e desvalorizarem uma relação próxima e íntima com os trabalhadores. Esse papel sobra para os militantes dirigentes sindicais ou de pequenas associações cívicas ou culturais. Estes, na maioria, adoptaram uma prática antipolítica, sem ideologia, centrada na especificidade do meio que lideram.
Não posso, em 2500 caracteres, ir mais longe. Será um erro factual dizer que no Bloco "o que sabem sobre o povo trabalhador é zero", mas a hipérbole ilustra na perfeição este problema. O caminho para a esquerda o resolver será este: perder o medo ideológico e tentar ser revolucionária, no sentido de voltar a ligar-se às classes trabalhadoras, não as concebendo de forma romântica, regressando à sua matéria política básica, que é, antes do mais, estar ao lado delas, para as ouvir e para as compreender.
É este o meu ponto, doutor Francisco Louçã.